Mercado, energia e fontes térmicas

Daniel Araujo Carneiro
Diretor Comercial e Regulatório da Bolognesi Energia
Novembro/23

Recentes despachos de usinas térmicas no sistema estão sendo reiteradamente ordenados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) após uma série de problemas detectados na transmissão e distribuição que atrasaram a retomada do fornecimento de energia elétrica em função de um apagão ocorrido em agosto de 2023.


O Operador Nacional do Sistema (ONS), concluiu que o desligamento de uma linha de distribuição causou oscilações elétricas nas regiões Norte e Nordeste, resultando na atuação das Proteções de Perda de Sincronismo – PPS.


Essas proteções causaram a abertura controlada de linhas de interligação provocando a separação elétrica das regiões Norte e Nordeste das demais regiões com o intuito de evitar a propagação do problema.
Somado a esse fato e as condições climáticas decorrentes da intensidade do el ninho houve a necessidade, também, do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) despachar as termelétricas para atender as regiões atingidas pela seca na região Norte, evitando-se, pois, problemas ainda maiores para os consumidores.


Finalmente, tendo em vista que a energia renovável – eólica e solar – está sujeita às variações do clima e com as altas temperaturas em todo o Brasil mesmo antes do verão na parte sul do País, as térmicas são uma alternativa rápida para suprir a necessidade crescente por energia.


Isso acontece principalmente no fim da tarde, onde a eletricidade fica mais cara em razão do pico do consumo.


É nesse período que a produção de energia solar está em descendência acelerada e justamente durante o aumento da utilização do sistema.


Recentemente o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, informou que o Comite de Monitoramento do Setor Elétrico trabalha com muita precaução para garantir suprimento e, ao mesmo tempo, equilibrar a segurança com a modicidade tarifária.


Ainda, ao reconhecer que o país possui fontes de energia que tem custo mais baixo e que precisam ser utilizadas, ratificou a importância estratégica da utilização de energia firme, hídricas e térmicas, para não comprometer a segurança energética.


O padrão de expansão da matriz de geração brasileira, baseado em fontes hidrelétricas, de grande porte, apresenta sinais de esgotamento.


Isso se deve à dificuldade de construção de novas usinas com reservatórios de armazenamento e à penetração das novas energias renováveis intermitentes, notadamente as fontes eólica e solar.


Portanto, é fundamental o reconhecimento da importância estratégica das térmicas e de sua pronta resposta à carga que se traduzem em eficiência e segurança para os consumidores, inclusive na manutenção da modicidade tarifária em função dos parques térmicos já existentes e disponíveis para o sistema.


No Brasil quem determina as regras de confiabilidade, compostas pelos fatores de adequacidade (atender a demanda a cada instante), segurança (retorno de ocorrências) e resiliência (meios de recompor o sistema) é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que dita os chamados leilões de capacidade.
Todavia, referido órgão, até o presente momento só definiu critérios para o primeiro item, faltando estabelecer as regras para a segurança e resiliência, como qual a inércia mínima do sistema e o controle exigido para frequência e tensão das máquinas.


Conviver com uma matriz sem térmicas é algo muito difícil de se imaginar pela necessidade de segurança energética e balanceamento do sistema a todo momento.


Não ter térmicas aumenta muito a necessidade de investimentos em sistemas de transmissão sendo que uma das rubricas que mais subiram nos últimos 13 anos foram as de transmissão de energia.


Aumentando a oferta de energia e confiabilidade elétrica o Brasil teria potencial de crescer a economia muito mais do que os 0,36% dos últimos 15 anos.


Um dos motivos da estagnação seria a falta de projetos estruturantes de fontes que conseguem atender a demanda 24 horas por dia para a indústria eletrointensiva, como siderúrgicas, vidro e cerâmica, além de papel e celulosa, que requerem insumos de base.


Com um parque termoelétrico considerável, grande parte com ativos depreciados, a contratação de reserva de capacidade é fundamental para compensar situações de aumentos inesperados da demanda e para compensar períodos de baixa hidraulicidade, além de situações elétricas inesperadas e que tem acontecido de forma frequente no sistema elétrico brasileiro.


Portanto, ao se diversificar as fontes de combustíveis, na geração elétrica, utilizando ativos com custos mais atrativos e especialmente atrelados a sua depreciação, ter-se-á segurança no sistema, além da promoção da sua expansão com o menor custo unitário de investimento em geração, menor custo de transmissão e menor probabilidade de risco de déficit.


Assim, fica claro que as UTEs, especialmente a óleo, proveem segurança, modicidade tarifária, flexibilidade frente às fontes intermitentes, CVU (Custo Variável Unitário) baixo, solução transitória de baixo legado, capacidade sem energia, combustível armazenado no site e geram benefícios não percebidos pelos modelos de formação de preço.


Com combustível líquido, possuem vocação para serviços de capacidade, não requerendo quaisquer tipos de subsídios, mas valoração justa do benefício e o direito de participar dos mecanismos competitivos.


Está à mesa a discussão do próximo leilão de reserva de capacidade que deve ocorrer no ano de 2024 sendo certo que o MME (Ministério de Minas e Energia) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) tem buscado maximizar e planejar o melhor certame para garantir segurança ao atendimento da carga e, principalmente, modicidade para os consumidores.


O espaço para todas as fontes no sistema elétrico brasileiro é algo incontestável sendo um grande equívoco o atropelo em buscar uma transição energética antecipada visto que atualmente 85% no país é composto por energia renovável, um panorama que muitos países da Europa pretendem chegar, somente, daqui há 27 anos.


Ainda, tendo em vista ao incremento da geração distribuída, principalmente formada por solar, o Operador Nacional do Sistema Elétrico tem de lidar com muitas incertezas quanto a vazões das hidráulicas no período considerado seco além da necessidade do atendimento da ponta e que não possuí outra oferta segura, exceto térmicas, para cumprir esse papel.


A expansão das renováveis pela descarbonização e com preços competitivos fez outras fontes, térmicas, serem deslocadas da base do sistema para ponta, com a solar sendo a principal fonte na expansão nos próximos anos lançando as térmicas ao papel de segurança e atendimento de questões elétricas e demanda, principalmente de ponta, do sistema.


Em 2022, das 25 empresas da bolsa que mais pagaram dividendos, sete eram do setor de energia elétrica.


Segundo dados da plataforma Quantzed, as com os maiores dividendos yield nos últimos 12 meses dentro do IEE são Auren (AURE3, 10,74%), Taesa (TAEE11, 9,58%), Cemig (CMIG4, 8,63%), Engie (EGIE3, 8,21%) e CPFL Energia (CPFE3, 8,10%).


Importante destacar a diversidade das companhias e os seus negócios difusos em geração, transmissão, distribuição e comercialização, sendo que a grande maioria das elétricas se dedica a mais de uma dessas atividades.


Das 15 integrantes do IEE, apenas três são especializadas em uma única área: ISA Cteep (TRPL4) e Taesa, de transmissão, e AES (AESB3), de geração.


Entre os fatores que impulsionam esse desempenho das empresas do setor elétrico está a previsibilidade de resultados porque não dependem do restante da economia para desempenharem bem.


As ações das empresas ligadas à eletricidade, mesmo fazendo parte de um mesmo setor, sofrem impactos diferentes com relação aos reajustes ou a impactos tarifários.


Tudo depende dos motivos do aumento da energia, a exemplo de uma eventual crise hídrica, e da estratégia para superar os obstáculos, como políticas de redução de consumo, aumento de oferta, problemas de sistema ou aumento da demanda.


Nos casos das usinas térmicas, como Eneva (ENEV3), os efeitos da aplicação do aumento da eletricidade, por meio de reajustes periódicos ou aplicação das bandeiras tarifárias, costuma ser positivo em função de, nestes momentos, essas empresas serem mais solicitadas.


A contribuição da indústria de energia elétrica para o país é inquestionável sendo que a gestão com equilíbrio e bom senso trará ganhos para toda a sociedade além de alavancarem os investimentos e apostas no mercado de ações.


Nesse momento de alerta para atendimento da demanda e os reais e profundos impactos do el nino é fundamental que todas as fontes elétricas estejam disponíveis e, principalmente, desempenhem as suas respectivas vocações para o benefício do país.

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